Por Jurema Cintra Barreto*
Sentia, erroneamente, que era a pessoa mais ecológica do meu grupo. Ora, eu fazia coleta seletiva, separava a reciclagem, guardava tudo em meu pequeno apartamento de recém-formada em Direito, fazia um esforço grande, colocava no carro e levava num longínquo e insalubre depósito de materiais recicláveis nas margens de uma BR. Economizava luz, andava de bike, coletava água da chuva, reutilizava objetos, garrafas, e sacolinhas plásticas; ahhh as sacolas plásticas … eu dobrava uma a uma, guardava com carinho, levava para feira livre todas as sacolas e voltava com elas várias vezes, e acreditava que assim, eu era “muito ecológica”. Comprava na feira livre, itens direto do produtor e acreditava que estava com créditos e saldo positivos com o planeta.
Discussões da pauta de meio-ambiente, parecia algo que advogado só via apenas na disciplina de Direito Ambiental ou na propaganda da TV no Dia da Árvore.
Comecei a Compostar de forma bem intuitiva em 2005. Na casa de praia de um ex-namorado, tinha muita folha seca de um jambeiro, ali eu já fazia pilhas com o “lixo da cozinha”. Até então era a única palavra que eu conhecia no meu vocabulário: “lixo”. Guardava todos “lixo” da minha cozinha, areia de gato, e etc, num balde de manteiga de 15 kg que vem com tampa. Acumulava durante a semana e levava para a tal casa de praia. Pensem que não era nada agradável o odor, uma logística difícil de replicar e os vizinhos não gostavam; por suposto me faltava técnica e conhecimento, mas sendo da resistência, persisti. Produzi muito composto orgânico, muito mesmo, que até os coqueiros declarados estéreis, 15 anos de vida e sem produção, deram tanto coco que o proprietário da casa, o ex-sogro, não compreendia o milagre. Distribuímos coco verde para todos os amigos.
Daí em diante foi aprimorar o processo, tambores, pilha estática, leituras e aprendizados que hoje posso compartilhar.
Compostar é o processo de decomposição dos resíduos orgânicos que ao final resulta na produção de composto rico em nutrientes para regeneração do solo, existindo várias técnicas, com ou sem minhoca, em caixas fechadas ou ambiente aberto, em larga escala industrial ou em pequena escala domiciliar.
De tanto pesquisar, se tornou um hobby e uma paixão, ensinar as pessoas, doar minhocas, voltar para a academia e me aprofundar a nível de mestrado sobre os processos de gerenciamento de resíduos sólidos e a economia circular.
Sou Cringe e aí o ditado pega bem: a ficha caiu. O problema não é apenas separar os resíduos recicláveis, a questão de fundo é sobre o consumismo. O modelo desenhado pelo geógrafo Milton Santos afirma que estamos numa espiral infinita de consumo, uma linha de morte: extração/produção/venda/descarte, descartar é o antagonista do verbo compostar. Enquanto descartar linearmente polui e gera morte, o outro regenera de forma diametricamente oposta e benéfica, pois gera vida.
“O problema não é apenas separar os resíduos recicláveis, a questão de fundo é sobre o consumismo”
A percepção de algo simples foi o meu insight: da hora que acordamos até a hora de dormir, você está gerando “lixo”, resíduos de toda natureza que não são tratados, nem encaminhados, nem reciclados, nem reincorporados como matéria-prima ou insumos para indústria, eles apenas vão para lixões causando desastres humanitários. Pessoas vivem em lixões, e estamos no ano de 2022, querem habitar Marte, mas não cuidamos do quintal de casa. Já se perguntou qual a cor das pessoas que cuidam de nossas “sujeiras” e sujidades ? Racismo ambiental ainda será tema de outro ensaio que falarei a partir da análise semiótica do grafite de Rildo (@fogestreetart)
Existem várias formas de mitigar os efeitos da crise climática, dentro dos ODS da ONU, Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, temos um norte para conduzir governos, instituições, empresas e pessoas, propostas disruptivas e mudanças de estilo de vida já são temas comuns hoje.
Estamos na década da restauração, o que fazemos no dia a dia impacta diretamente na nossa sobrevivência nesta casa chamada Planeta Terra, e não existe Planeta B. Sabe os tais créditos que falei acima, por tudo que consumi em toda minha existência sem qualquer reflexão, o saldo está no vermelho, negativo. Portanto, COMPOSTE.
* Advogada, ambientalista e mestranda em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável pela ESCAS/IPÊ